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39- Charlie
domingo, 16 de agosto de 2009


Um gelado e inesperado balde de água acordou Charlie, não teve no entanto tempo para ver, por entre os galhos da árvore na qual adormecera, o céu azul, pois prontamente uma venda foi colocada em seus olhos e seus braçoes foram firmemente presos ao corpo por uma corda. Ele já nem tentava mais resistir à essas convocações pouco gentis de última hora.
Seu pescoço doía por causa da noite mal dormida, torcicolo muito provavelmente, sua cabeça dava frequentes agulhadas que faziam seus olhos saltarem de dor, mas seus sequestrador não parecia se importar com isso, já que ia empurrando o coitado sem dó.
Tudo o que ele podia observar durante o trajeto que parecia não ter fim era a intensidade luminosa que num certo ponto diminuiu drásticamente, junto com o cheito de mato que se foi, dando lugar à uma poeira que o fez espirrar e ser prontamente advertido com um soco nada amigável nas costas. Depois de mais alguns passos e duas escadas entraram no que parecia ser uma sala, ou ao menos um ambiente fechado, abafado pelos primeiros raios de sol.
Uma voz conhecida, quebrou o silêncio:
-Tivemos duas mortes, o que você viu?
-Nada, estou vendado, não se lembra? - Mas ele logo se arrependeu de ter dito aquilo, um soco muito pesado atingiu em cheio seu nariz, a voz tornou a falar:
-O próximo fará sangrar, e então responda minha pergunta?
Mas Charlie não tinha certeza, pela primeira vez sua mente fotográfica havia sido ludibriada:
-Não me lembro bem.- E outro soco acertou seu nariz, ele pode sentir o sangue quente descer até sua boca, foi o suficiente para ele se desesperar, mas antes que pudesse dizer algo a voz tornou a cortar o ambiente:
-Esse não é nosso acordo, é?
-Não, tenho certeza que amanhã eu lembrarei de tudo, me de tempo, eu venho lhe procurar, só me diga o lugar e a hora.- Contudo, o que pode ouvir do outro lado foi uma risada sarcástica:
-Você ainda não percebeu que eu não desejo que você saiba quem sou?- quem quer que estivesse falando, parecia se divertir.
-Tudo bem, tudo bem! - exclamou o garoto – só me desamarre por favor, estou numa posição extremamente desconfortável e acordei com um torcicolo fudido. - Ele não pensou que aquilo iria funcionar, mas um fio de esperança surgiu:
-Você sabe o que fazer! - Entretanto aquilo não parecia dirigido a ele.
E não foi, o capanga (que ficara lhe dando carinhosos socos) se aproximou mais uma vez, mas não desamarrou Charlie e sim, deu-lhe um puxão vigoroso no pescoço causando uma dor alucinante. Torto e travado naquela posição, o garoto só conseguiu gritar. Mais uma advertencia veio:
-Eu não gritaria tanto se fosse você, tivemos duas mortes ontem, seria uma pena que a senhorita Lichba fosse a próxima.
A menção do nome o fez tremer ainda mais. Lichba era uma bela afro-descendente de cabelo black power que não saía nem do laboratório nem da cabeça de Charlie. Após um instante de silêncio, percebendo que não sofreria outra tortura física, e com a cabeça perpendicular ao pescoço falou:
-Era como uma montanha-russa em minha cabeça, a luz ia e vinha assim como o som, meu cérebro parecia ligar e desligar e depois sintonizar estações diferentes em um curto espaço de tempo. Me lembro de fotografar vermes e botos cor-de-rosa. Depois que consegui fugir daquele inferno eu parecia estar no meio do caos, pois em todo canto havia acidentes de carro, as vezes dois, as vezes três, quatro ou até cinco deles. - Apesar de estar quase sem fôlego, prosseguiu soltando palavras numa velocidade alucinante – Havia também uma cobra, ou uma grande minhoca, isso, uma grande minhoca! Ela se entrelaçava e depois apertava suas vítimas até a morte. Depois vi um skate cujas rodas se soltaram e uma rosa que por fim, murchou.- Parou para respirar, temendo outro soco, mas como esse não veio, concluiu – Isso é tudo que me lembro, depois disso caí no que parecia uma confortável cama, mas pelo visto era só uma árvore.
-Acho tudo bem claro, não? - A voz não parecia zombar. Seu carrasco respondeu num grunhido.
E Charile foi largado fora da sala escura, com a cabeça na horizontal. Tentou com calma descer as escadas, mas bateu a cabeça na parede e capotou até o segundo andar. A dor já era insignificante perto do que tinha a fazer: viver.

Música: Life Won't Wait - Rancid

1 Comentários:

  • Uoooooooooooou
    Muito fudido esse capítulo, não só esse como os outros 3 últimos também, cada vez vale mais ler essa história.

    Por Anonymous Anônimo, Às 17 de agosto de 2009 às 17:54  

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