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64 - Linda, Sofia e Sneer
sexta-feira, 30 de outubro de 2009


O clima no St. Jimmy era tão imprevisível quanto as atitudes de seus alunos. A única certeza que se tinha era a de que o sol nasceria ao raiar do dia e tornaria a ir embora em seu término. No entanto, não se podia afirmar veementemente que a luz chegaria a iluminar decentemente aquelas mentes necessitadas de brilho; não se podia dizer o contrário tampouco. Depois de muita secura no início do período letivo a chuva agora se revezava irracionalmente com sua ausência. As vezes chovia, as vezes fazia sol e as vezes o ceu nublava intensametne sem que no entanto uma mísera gota de água abençoasse o solo. O frio e o calor também mantinham o egoísmo e o preconceito de lado, dançando ironicamente uma quadrilha cujo único crime foi destruir o sistema imunológico dos mais necessitados.
E esse era o motivo para que Lyla, Linda, Sneer, Sofia, Meyer e outros voluntários ficassem trancafiados na espaçosa enfermaria localizada no segundo andar. Havia leitos, mas nenhum deles estava sendo utilizado e provavelmente nem seriam, ao menos não em seu sentido usual. As paredes eram enjoativamente brancas e nada ali colaborava para dar um ar mais alegre ao local. A enfermaria era definitivamente sem graça.
Os grupos de três pessoas se alternavam na função de distribuir o grande estoque de remédios conforme os sintomas de algum necessitado aparecessem. Ninguém ali era médico, mas podiam perfeitamente ler a bula. Era tudo muito entediante.
O acidente no bosque comemorava seu aniversário de duas semanas mas ninguém ainda se preocupara em ir atrás de Johnny ou Andy, sendo assim os garotos continuavam nas sombras.
Sofia, Sneer e Linda trabalhavam naquele momento. A chuva cessara e o sol ameaçava retornar. Excluindo-se os três não havia mais ninguém na enfermaria e provavelmente no terceiro andar inteiro.
O trio ainda estava sem graça por causa do evidente triângulo amoroso. Sofia continuava a se encontrar com os dois, mas julgava ser a única a saber daquilo. Foi ela quem quebrou o silêncio destinado à eternidade:
-Precisamos de uma festa.
Desobedientemente, Johnny apareceu no pensamento de todos. Com ele por perto o tédio mantinha distancia.
-Não precisamos dele pra nos divertir – resmungou Sneer – podemos muito bem fazer uma festa decente.
-Precisamos de drogas – a voz agora era de Linda.
As cabeças dos três se viraram imediatamente para a pilha de remédios do outro lado da sala:
-O que você dizia, Linda? - perguntou o garoto com um sorriso triunfante. Era a primeira vez que os dois trocavam uma palavra na última semana, parecia o momento certo para que as coisas voltassem ao normal. Enfiou a mão no bolso de seu paletó vermelho-sangue listrado de bege e tirou uma caixinha – Johnny esqueceu algumas coisas no seu antigo escritório. Sinceramente acho que seria no mínimo imprudente darmos drogas à todos que vem aqui. Temos que pelo menos estarmos cientes de seus efeitos antes que cometamos tais irresponsabilidades. - concluiu Sneer.
Linda e Sofia se entreolharam. A última anunciou perversamente:
-Pelo bem da ciência...
-Acho que não faria mal – completou a ruiva num raro sorriso.
Mais tarde naquele dia Charlie procurou a enfermaria para tratar uma insistente dor de cabeça, mas na porta que indicava o local almejado havia uma colorida tempestade de cabelos em êxtase e de corpos sem panos. Deu meia volta e foi visitar Lichba.


Música: 40 oz to Freedom - Sublime



63,7219598743261840384345048 Gavin
quarta-feira, 28 de outubro de 2009


Para variar as paredes eram brancas. A sala não era grande, num dos cantos havia um sofá verde-musgo, assim como as cortinas que encobriam a vista para o gramado externo. Ao fundo uma escrivaninha, atrás dela, sentado em sua confortável cadeira, o diretor Boss, com um terno tão impecável quanto a disposição de seus cabelos. Contudo a palidez de sua pele não era natural. A sala ainda fedia merda:

-Problemas diretor? - observou Gavin.

Mas o homem não respondeu. Olhava espantado para o garoto parado a sua frente, que percebendo isso, continuou:

-Sim, sou eu. Acusado de matar a família Aleksander. Acho que fiquei famoso – orgulhou-se.

O homem fez menção de pegar o telefone, mas Gavin advertiu:

-Não está funcionando. Pode ficar calmo, estou aqui a negócios e se isso realmente importa, eu não matei ninguém.

-O que você quer? - perguntou por fim Boss, num tom assustado.

-Você – e Gavin lembeu os beiços numa brincadeira provocante – ou uma vaga no St. Jimmy. Fiquei sabendo que irão reabrir esse ano, ainda posso sentir o cheiro da última reunião. - Boss corou.

-E por que você acha que um delinquente juvenil, foragido da polícia, iria estudar no St. Jimmy?

-Ora, porque você tem uma boa alma Mr. Boss – caçoou, de repente sua voz adquiriu um tom sério – ou porque o senhor ama muito a sua mulher e não iria querer que ela descobrisse o que você tem feito com a senhora Strong, sua secretária.

A raiva tomou conta do diretor. Aquele moleque não podia estar falando sério. Perdendo toda a compostura, explodiu:

-Você está blefando! - e apontou o indicador diretamente para os olhos de Gavin que acabara de se sentar a sua frente.

Mas o garoto sorria bobamente para um pen drive:

-Eu demoro dois minutos para mandar isso para a Sra. Boss, que apostar?

O diretor calou-se. Pensou por um instante, mantendo o intenso rubor que começava agora a tomar conta de sua careca. Gavin apanhou um papel da mesa dele, deixando-o ainda mais irado, no entanto, o homem não ousou se mover.

Tratava-se da lisa de alunos que frequentariam o St. Jimmy naquele ano. Procurou nomes conhecidos e não se surpreendeu quando deparou com o nome de Sneer Aleksander. O velho Baddy Teddy havia entrado em ação. Ao fim da lista parou ainda nos nomes de Fionna Strong, que deduziu ser filha da secretária e no de Meyer Leyer; o último não era estranho a ele, contudo se preocuparia em descobrir de quem se tratava depois. Pegou uma caneta da mesa a sua frente e anotou mais alguns nomes e endereços:

Johnny Fun – sentado na cadeira a sua frente;

Sofia Julia Gates Habsburg – Gold Avenue – Groeldy Beach;

Linda e Lyla Twin – Misery Beach – Saint Joseph.

Anunciou:

-Quero que esses nomes sejam integrados a lista também.

Vencido o diretor apenas abaixou os olhos para ler o que Gavin havia rabiscado num garrancho quase ilegível.

-Johnny Fun? Linda e Lyla Twin? - questionou.

-São duas gêmeas, o endereço delas é esse que eu anotei. Seria interessante que elas estivessem aqui esse ano. Johnny Fun é meu nome a partir de agora. - informou cordialmente – Tem mais uma coisa que preciso de você. Gostaria que não fizesse mais perguntas e somente concordasse e providenciasse o que eu vou pedir.

O homem assentiu relutante com a cabeça. Johnny tirou desafiantemente um baseado da cueca e acendeu-o enquanto reorganizava os pensamentos. Boss pareceu querer falar algo, mas a risada boba do garoto intimidou-o. Sentia vergonha de si mesmo, deixando que um garoto dissesse o que ele deveria fazer, logo ele, o diretor daquela porra toda!

Johnny soltou a fumaça na cara do diretor daquela porra toda, se divertindo com aquilo, antes de voltar a falar:

-Amanhã será seu último dia aqui. Vou precisar de suas roupas, depois você pode pegar o dinheiro que desviou todos esse anos – os olhos de Boss se arregalaram – e some por uns tempos. Quero que providencia comida suficiente para o ano todo, mais algum lugar onde possamos plantar algumas coisas. Quero pasta de dente, shampoos e tudo essa merda para o mesmo perído de tempo. Quero tudo que seja necessário para que trezentas pessoas vivam aqui confortávelmente por no mínimo duzentos dias. Quero também um investimento maciço no laboratório, vou precisar passar um tempo lá. Por último, gostaria que grave uma mensagem para mim. - E escreveu o texto cuidadosamente num papel.

O diretor o fitava perplexo. Esperava que mostrassem uma camera escondida e que um palhaço saísse de trás das cortinas e revelasse que tudo aquilo não passava de uma pegadinha. Johnny retornou em seu tom persuasivo:

-Então, feliz? Acabou de ganhar um ano de férias, ninguém vai notar o que se passará por dentro desses muros, eu te garanto. Faça toda a porra que te falei antes e estará dispensado.

Johnny levantou-se da cadeira e deu uma última tragada no baseado :

-Vou precisar de dinheiro também, uns quinze mil devem bastar. Volto amanhã para nos acertarmos – ergueu o pen-drive – lembre-se disso, te mando um e-mail para provar que não estou blefando, agora você é minha putinha.

Johnny curvou-se para a o diretor e estralou um beijo sem sua careca molhada. Deixou o baseado interminado no porta-lápis e saiu porta afora:

-Foi assim que cheguei ao St. Jimmy. Eu ouvi a conversa de Baddy Teddy Aleksander com o neto antes de fingirem seu assassinato e me incriminarem por tudo. Ele falou dos três milhões de dólares e achei que poderia ser divertido – finalizou Johnny para um atento Andy, que absorvia todas as palavras como uma esponja musculosa.


Música: Holiday - Green Day




63,5 - Gavin
domingo, 25 de outubro de 2009


Gavin se encaminhou para o prédio sentindo as gostas de chuva martelarem incessantemente em suas costas. Constatou que as portas eram altas e largas suficientes para que um trasgo adulto passasse por elas sem o menor esforço. Abriu-as.
No canto direito havia uma grande mesa retangular de madeira, ornamentada com cinzeiros e um vaso que trazia flores artificiais, cercada por sofás e poltronas de couro e com um tapete feio, que mais tarde ele descobriria ser um persa chinês. As paredes internas eram tão brancas quanto as externas. Ao fundo havia uma escada, quadros, que ele supôs que retratassem os antigos diretores do St. Jimmy, e uma porta que dava pra a biblioteca.
A esquerda havia uma porta aberta cujas letras pretas na placa dourada indicavam:
SECRETARIA
Entrou de mansinho, a mulher muito magra, de cabelos negros e crespos e com olhos igualmente escuros, que trabalhava distraída no rack bagunçado não percebeu sua presença. Deu uma observada no espaço; uma outra porta que estava fechada levava à diretoria, na parede oposta a dela havia uma grande janela, ao lado um calendário indicava o dia 8 de janeiro. Com o pé Gavin desligou discretamente da tomada o fio de telefone antes de se anunciar com uma leve batida na porta. A secretária ergueu os olhos espantada, provavelmente não era todo dia que alunos encharcados apareciam por ali:
-P..pois não – gaguejou confusa.
-Quero falar com o diretor.
-Você marcou horário? - ela olhava distraídamente para a tela do computador.
-É urgente. - Ele fixou os olhos, tentando fazer sua melhor cara de desespero, arfando do mesmo modo que arfara ao enganar o guarda na entrada.
A mulher pegou o telefone e após muito insistir percebeu que não havia linha. Anunciou:
-Vou falar com o Sr. Boss, só um instante.
Gavin sorriu. Assim que a mulher adentrou à diretoria ele começou a fuçar a mesa a procura de sorte. Achou logo que olhou para a tela do computador. Abriu a pasta intitulada Mr. Boss e para sua surpresa o conteúdo era no mínimo estranhamente comprometedor. Fotos e vídeos do diretor e da secretária em situações pouco respeitáveis em trajes hilários e com brinquedinhos exóticos. Havia também histórico de conversas nojentas. Colocou todo aquele material no pen drive, que trazia na cueca para evitar que o aparelho molhasse. A transferencia de arquivos foi rápida e ele ainda teve que aguardar alguns minutos, como se nada tivesse ocorrido, antes que a secretária voltasse aos risos. Ela fez um movimento com a cabeça, indicando-lhe a sala de onde viera. Gavin deixava o rastro de seus passos molhados ao passar e quando entrou na diretoria bateu a porta.

Música: I'm Shipping Up to Boston - Dropkick Murphys



63 - Gavin Gates
quinta-feira, 22 de outubro de 2009


Tom Tock havia acabado de assumir seu turno. Em geral aquele era um trabalho bem fácil, pois quase não havia movimento e tudo o que ele precisava fazer era sorrir, sempre protegido no conforto de sua guarita, quando os luxuosos carros passavam com calma pelo grande portão.

Por isso estranhou quando viu alguém chegar andando ao St. Jimmy. O garoto que se aproximava parecia ocupado demais admirando toda a magnificância que o cercava para se preocupar com a chuva que desabava fortemente.

Após alguns segundos pode vê-lo com mais clareza. Não aparentava mais de 18 anos, alguns fios comaçavam a tomar conta de sua face muito pálida que combinava perfeitamente com os olhos profundamente azuis. Julgou que os cabelos eram castanhos, mas quando ele parou em frente ao vidro blindado da guarita, pode ver que eram loiros, encharcados pela chuva. Sua camisa branca muito molhada pesava sobre os ombros. Estava desesperado e arfava com o cansaço:

-Preciso ver o diretor – e como se Tom olhasse incerto para ele, completou – é urgente. Trago notícias de sua mulher, minha mãe.

O triunfo surgiu no rosto do guarda:

-O diretor não tem filhos – comemorou. Nenhum moleque iria enganá-lo.

-Eu não disse que ele é meu pai, otário. Sou filho da mulher dele.

Aquele garoto ousara chingá-lo! Mas quanta impetulância! Teve vontade de deixá-lo apodrecer ali na chuva, contudo, ele fora derrotado, deveria entregar ao vencedor as batatas. A contragosto abriu o portão.

Fácil, sorriu bobamente Gavin. A sorte estava a seu lado. O St. Jimmy era tão estupendo quanto ouvira de Baddy Teddy, entretanto ele acrescentaria que também era extremamente estúpido. Havia um alvo e imponente prédio principal: contou sete andares. Seus olhos não chegavam até onde iam os muros, mas esperava ter tempo para se preocupar com aquilo mais tarde.


Música: Teenage Idol - The Vandals




62- Andy e Johnny
sexta-feira, 16 de outubro de 2009


Andy recobrou a consciência aos poucos. Não levantou-se de imediato, em vez disso sentou-se pensativo atrás do arbusto no qual fora escondido, sem se importar com as formigas e mosquitos que passeavam por ali. Passou a mão na cabeça não mais raspada e sentiu o inchaço causado pela paulada. Sangrava, fato que só fez sua raiva aumentar:
-Filho-da-puta. Eu vou te matar. - Preguejou baixo.
Levantou-se obstinado, com as mãos sujas com o próprio sangue. Sem saber o que fazer se encaminhou para o local onde Fionna esperava anteriormente. Assustou-se
Quatro corpos caídos. Os de Fionna e seus capangas tinham furos na cabeça e sangravam. O outro corpo era de Johnny e parecia um pouco sujo, mas intacto. No chão havia ainda alguns pés de maconha que o garoto caído cultivava.
Aproximando-se lentamente pode ver que Johnny respirava, aliviou-se. Acordou-o com um cutucão no peito:
-Lyla? - a palavra saiu mastigada e incerta – Merda – continuou Johnny ao abrir os olhos – o que houve?
-Eu começo ou você começa? - Andy o analisava com frieza.
-Fique a vontade.
Andy contou em detalhes a traição de David:
-David? - Espantou-se Johnny- Mas que filho-da-puta! Não esperava por essa. Temos seu assassino então.
-David não matou ninguém. Eu estava com ele quando os dois alunos morreram na festa. Ele mandou alguém matar, Fionna ou aqueles dois gorilas. - Supôs.
-Ou alguém manda nele. E em Fionna também. Algum maluco que se diverte assassinando. - As engrenagens de Johnny começavam a girar, espantando com cada vez mais eficiência o pensamento que insistia em voltar para Lyla.
-É, talvez. - cedeu Andy – A chave sumiu. Acho que não temos mais um trato. - havia um tom de despedida na voz dele.
-Nem fudendo. Você é meu amigo, estamos juntos nessa. Vamos descobrir toda essa merda e foder com esses otários.- Andy deu um raro sorriso - Agora é minha vez de contar a história.
Ao fim do relato Andy nada disse. Ficou contemplando os cadáveres pensativo, ouvindo Johnny que continuava a falar:
-Preciso recuperar o amor agora e você sabe o que os Rolling Stones diziam: Money can't buy me love. Então foda-se a grana. - Andy viu um sorriso surgir na cara boba do garoto. Sabia o que isso significava:
-Então você tem um plano?
-Então você tem um pênis? - respondeu – Agora me ajude a jogar essas merdas desses corpos no lago. Tenho algumas histórias pra te contar depois.

Música: Start Now - Rancid



61- Sneer Aleksander
terça-feira, 13 de outubro de 2009


Sneer seguiu apreensivo, assustando-se com qualquer som, por mais baixo que fosse. Ainda havia uma grande quantidade de adrenalina em seu sangue. Tudo havia sido louco demais, inacreditável demais.

Sofia era uma interrogação. Aquele beijo fora sensacional, contudo ele percebera o olhar de culpa que a morena lançara para Linda logo em seguida. Sentia-se responsável por tudo aquilo. Se ele ao menos soubesse o que era verdade e o que não passara de encenação, talvez pudesse fazer tudo dar certo! Porém a sua única certeza era de que estava em dúvida.

Não conseguiu evitar que seu pensamento fosse parar em Lyla. Johnny fora do caminho era tudo que ele sempre desejara, no entanto, depois de um ano de espera, agora que isso finalmente acontecera ele não tinha tanta certeza se era realmente o que ele queria.

Quando seu olhar passeou pelo bosque os passos cessaram subitamente. Gavin e Johnny eram a mesma pessoa, a notícia insistia em parecer falsa, mas aquilo fazia tanto sentido que sentiu-se burro por não ter percebido antes.

Sentiu pena do garoto.Lembrou-se de como Johnny o salvara no primeiro dia de aula, de como o ajudara com Lyla e logo em seguida a roubara para si. Lembrou-se de como ele havia tido um caso com sua madrasta e de como ele o convencera a assassinar a própria família. Não se arrependia daquilo, porém, de repente, a pena foi dando lugar a um sorriso vago e as pernas tornaram a se mover.

Conferia paranoicamente de minuto em minuto se não estava sendo seguido, sempre atento aos mínimos detalhes que o cercavam. Após alguns passos parou em frente a porta metálica do refeitório. Deu uma última olhada do lado de fora e, ao certificar-se de que estava sozinho, entrou.

Olhou para a grande televisão que imediatamente abandonou o azul infinito, fazendo um homem quase careca, coberto de cicatrizes e com um tapa olho mal posicionado aparecer:

-Sneer! Há quanto tempo não nos vemos! A última vez que dei as caras por aqui Gavin me recebeu. Quem ele pensa que engana com aquela história de Johnny Fun?

Sneer abateu-se. O velho parecia acabado, mas com certeza mantinha a perspicácia. Por isso resolveu tentar outro assunto:

-O que houve, você não me parece bem.

-Não é nada – o homem se divertia com aquilo – mas isso eu resolvo. E quanto aos seus problemas?

-Gavin sabe da existência do dinheiro.

-É um garoto esperto, sempre foi! - observou com orgulho.

-Mas essa não é a maior das minhas preocupações. Mais alguém sabe e esse alguém não tem medo de matar. - fez uma pausa melodramática – Hoje mesmo quase fomos pegos. Por sorte um outro maluco salvou nossas vidas. Mas essa história não para por ai não, pode apostar.

-Então trate de resolver isso. É sua última prova.

Ele falava como se Sneer fosse um mongol qualquer. Claro que ele já tentara descobrir aquela porra, velho otário! Estava tão óbvio que ele preferia Gavin à Sneer! Desejava que aquele velho safado fosse logo chupar Johnny.

Estava na hora de analisar sua próxima jogada. Ao fim de alguns minutos e sem deixar transparecer em sua voz sua decisão anunciou:

-Pode deixar vovô. Vou cuidar disso.

-Honre os Aleksander – Satisfez-se o homem. A tela tornou ao entediante azul.

-Eu irei, eu irei. - As palavras saíram baixas, o que não foi um problema já que elas não tinham outro destinatário se não ele mesmo. - Vou fazer o que deveria ter feito há um ano, você ficará orgulhoso de mim.

Caminhou até um dos balcões metálicos onde as bandejas, que normalmente se encontravam cheias de comida, estavam enfileiradas e vazias.

Contou a terceira da esquerda para a direita e abriu sua tampa. De lá tirou um celular.

Discou um número da memória do telefone e após dois toques ouviu uma voz grossa do outro lado:

-Sim?

-Xeque-mate. É hora da sucessão, o velho rei já não agrada mais. - desligou sem esperar resposta e sem perceber o vulto que o observava pelo vão da janela.


Música: True Belivers - Bouncing Souls




60 - Montanha - Russa
sexta-feira, 9 de outubro de 2009


Linda olhou aliviada para irmã enquanto se afastavam de Johnny. Sofia evitava ela e Sneer simultaneamente, provavelmente precisaria de um tempo para assimilar tudo que acontecera no bosque. Ela mesma ainda não tinha certeza do que se passara, mas sabia que aquilo abalaria a todos por um bom tempo. Agora no entanto, estavam exaustos e necessitavam urgentemente de um bom banho e uma longa noite de sono.
Lyla ainda estava agitada. Tentava ignorar todos ali, fechar-se em sua prórpria cabeça. Entretando tinha consciencia que mais cedo ou mais tarde toda aquela história teria que ser devidamente narrada. Não tinha raiva de Johnny; o garoto apostara sua vida, porém tudo que conseguia sentir era uma imensa sensação de liberdade, como se um peso tivesse sido tirado de suas costas e ela agora pudesse voar irrestritamente. Foi até Meyer e deu-lhe uma doce bitoca nas bochechas que imediatamente tornaram-se incrívelmente rosadas.
O garoto não esperava o beijo e sentiu-se imensamente feliz. Em momento algum deu-lhe a menor conotação sexual, o que certamente teria feito se a situação fosse outra. Não, pela primeira vez em sua vida sentia-se querido por alguém que não tivesse 60 anos a mais que ele. Ele tinha amigos. Repassou seus atos temendo desgostá-los contudo em momento algum se arrependeu do que havia feito.
Sofia não tinha pressa em seus passos, por isso ficou ligeiramente atrás do resto do grupo. O que Sneer havia dito naquela noite a intrigara. Ela se dedicava demais ao seu irmão, deixando de viver a própria vida, acreditando que Johnny era o certo a se seguir. Sentiu-se como uma crente estúpida, mas foi preciso muita força para conseguir abandonar seu deus.
Quando os passos cansados cessaram e o grupo chegou ao prédio principal Linda anunciou:
-Não sei quanto a vocês, mas eu preciso fodidamente de um banho e uma cama. Alguém me acompanha?
Meyer e Lyla a seguiram calados. Sofia no entanto resistiu:
-E Johnny? Ele não parecia nada bem...
-Realmente ele é um bebe – retrucou Sneer irritado – quem vai preparar a mamadeira dele?
Todos riram a contragosto. O assunto Johnny Fun, ou Gavin Gates, era algo a ser esquecido, e por mais difícil que parecesse, intimamente ninguém ousava discordar disso.
Como se a situação estivesse resolvida e sem mais nada a dizer, os quatro subiram as escadas com destino ao sossego dos respectivos dormitórios. Sneer no entanto tomou outro rumo, alegando ter um último problema para resolver.
Recebeu alguns olhares desconfiados, mas em poucos minutos o quarteto sumiu, se encaminhando para suas quentes, confortáveis e cobiçadas camas.

Música: Roller Coaster - Blink 182



59 - Charlie e Lichba
quarta-feira, 7 de outubro de 2009


Charlie acordara com as explosões ao longe. Apalpou esperançosamente o colchão, mas percebeu que tudo aquilo não passara de um sonho. O melhor de sua vida.

Sentou-se na cama e ficou pensando em Lichba. A garota lhe parecia estranhamente próxima espiritualmente, contudo, físicamente se encontrava paradoxalmente distante. Isso o incomodava, precisava resolver essa situação.

Levantou-se com cautela para não acordar as centenas de alunos que dormiam ou fingiam fazê-lo por ali. No trajeto até o banheiro percebeu que alguma camas estavam vazias: Sneer Aleksander, Meyer Leyer, Andrew Jordan, David Courtney, Tim Krabby, Lars Doyle e claro, Johnny Fun.

Chegando ao seu destino, contemplou sua imagem medíocre no espelho. Os cabelos estavam bagunçados e a cara amassada. Pela primeira vez na vida atreveu-se a pensar foda-se.

Tinha a estranha sensação de que encontraria Lichba em sua caminhada noturna. Saiu do dormitório masculino e desceu as escadas. Ao passar pelo laboratório, viu que as luzes estavam acesas. Apesar do repentino desconforto em sua barriga, sentia-se extremamente feliz.

Se encaminhou até lá, mas para seu desapontamento, uma garota de cabelos e olhos castanhos, pouco mais baixa que ele, com aparelhos nos dentes e espinhas singulares na testa, que ele reconheceu como Marie Santana, trabalhava sozinha.

Quando ela o viu não conteve o riso. Não era para menos, Charlie vestia um ridículo pijama de marinheiro e mais parecia um zumbi vagando fofamente pelos corredores. No entanto a menina foi gentil e quando conseguiu parar de rir disse:

-Lichba acabou de sair. Não disse para onde ia, mas a essa hora deve ter ido dormir. Com azar você ainda encontra ela.

Charlie saiu sem agradecer a informação. Suas expectativas já haviam murchado, mas como não conseguiria tornar a dormir tomou o rumo da sala de estar. Bilhar ajudava-o a relaxar.

Desceu mais um andar e parou na porta do salão. Pode ouvir um choro e deduziu que não estava sozinho. Deu mais um passo com a intenção de descobrir quem era seu companheiro, afinal nesse dia o que não faltavam eram camas vazias. Torceu apenas para que não fosse Meyer, as vezes o garoto extrapolava o limite da excitação. Levantou os olhos sem muita coragem e sentiu o coração acelerar. Lá estava Lichba. Meyer provavelmente julgaria essa cena como um clichê desnecessário.

Bateu levemente na porta para anunciar sua presença. A garota olhou assustada para a porta, porém logo abriu um belo sorriso, tentando disfarçar as lágrimas:

-Desculpe-me, - começou Charlie – insônia. Cá estava eu vagando e por acaso ouvi seu choro. Algum problema? - foi se aproximando da menina enquanto falava e sentou-se ao lado dela num dos sofás de couro marrom.

-Tantos quanto possa imaginar. Sinto saudades de casa, da minha mãe, do meu pai, meus irmãos, minha cama. Preciso voltar. - queixou-se – a cada dia mais pessoas morrem e desaparecem por aqui. Não quero ter o mesmo fim. Eu ainda tenho uma vida inteira pra viver! - E os olhos dela voltaram a se afogar em lágrimas.

Lichba parecia resumir bem o que todos no St. Jimmy sentiam: medo, saudades, desespero. Charlie no entanto estava incrívelmente calmo e controlado. Era como se fizesse aquilo todo dia.

Pegou a mão gelada da garota e olhou fundo em seus olhos:

-Não se preocupe, nada de ruim vai te acontecer, logo sairemos daqui. Prometo – contudo ele não acreditava em nenhuma palavra que dizia. Já Lichba não se importou e partiu para um abraço que ele desejou que durasse para sempre:

-Belo pijama – caçoou a garota, tornando a abrir o belo sorriso. Os dois voltaram a se olhar.

Ele não respondeu nada. Ficou calado contemplando a beleza dos olhos dela. Aproximou sua boca da dela, sem muita convicção e fechou os olhos. O que veio a seguir foi melhor que em qualquer um dos seus sonhos.

Os dois passaram a madrugada ali, sem se importar com Linda, Lyla, Sofia, Meyer, Meyer, Sneer e Meyer novamente que transitavam agitadamente pelos corredores.


Música: When We Die - Bowling For Soup




58 - Ato III, Cena 2
segunda-feira, 5 de outubro de 2009


Johnny assistiu em choque os cinco se afastarem. Por fim, abandonado, sentou-se em meio aos três corpos com os quais lutara anteriormente.
Pensou no futuro, eles ainda precisavam sair dali; nunca sentira tanta necessidade de ir para casa, de ter alguma segurança, de saber que dormiria num dia e as coisas não mudariam drásticamente no seguinte.
Pensou em Andy e David. Os dois eram seus amigos, mas tratava-os como meros funcionários, apenas peças que ele manipulava. Nunca dirigira o merecido respeito a eles.
Pensou em Sneer. Amava-o. Não uma amor com conotação sexual, mas um amor de amigo para amigo, de irmão para irmão. Contudo, nunca dissera isso para ele, ultimamente os dois estavam mais próximos de uma discussão descontrolada do que de uma conversa amigável.
Pensou na sua real irmã. Era a única família que lhe restava e nunca depositara nela, a confiança que havia traído. Via nela sua mãe, o que só o fazia sentir-se pior.
Pensou em Linda e o aperto em seu peito quase sufocou-o. Eram extremamente iguais e por isso sabia tudo que a ruiva pensava ou sentia. Porém nunca usara isso para faze-la feliz, muito pelo contrário, tudo o que dera para a ruiva últimamente eram boas razões para que ela arrancasse seus testículos e fizesse ovos mechidos com o futuro de sua prole.
Por último pensou em Lyla. O trevo de quatro folhas tatuado em seu braço ardeu. Não a merecia. Ela era capaz de despertar o melhor dele, mas Johnny nunca realmente acreditara que poderia ser realmente bom, sua vida baseava-se no prazer instantaneo; tinha medo da real felicidade. Lembrou-se do último olhar que a loira lhe lançara; preferia ser odiado a ignorado; pelo menos o ódio provava que ela ainda nutria algum sentimento por ele, diferentemente do descaso ou da dó. Aliás, se lhe perguntassem qual o contrário do amor, não diria ódio, este não se passava de um primo próximo que visitava com frequência. O oposto do amor era o desinteresse.
Ele havia estragado tudo.
Retirou a caixinha do bolso e abriu-a. Um trevo de quatro folhas revelou-se murcho.
Johnny chorou.
Uma lágrima atingiu o trevo surpreendentemente revigorando-o. O trevo voltara a vida, estava verde e brilhante, por que ele não podia fazer o mesmo?
Limpou as lágrimas e arregaçou as mangas, tinha muita coisa para consertar.

Fecham-se as cortinas, apagam-se as luzes. Na platéia alguns dormem, outros batem palmas desinteressadamente, mas há ainda aqueles que choram. No fim da peça, o final não é feliz, é real.

Música: Boulevard of Broken Dreams - Green Day



57 - Ato III, Cena 1
sábado, 3 de outubro de 2009


Caiu. As mãos cascudas de Fionna não o seguravam mais. Ouviu barulho de fogos, será que alguém comemorava sua morte? Mas não sentira a faca cortar sua garganta, talvez morrer fosse assim, ponderou.

No chão, percebeu que segurava alguma coisa no bolso de sua calça. Uma pequena caixa. Largou-a ali mesmo, sem dedicar maior atenção àquilo. Criou coragem e abriu os olhos. Continuava no bosque, mas tudo que conseguia distinguir no meio de folhas e terra eram alguns pares de perna. Levantando a cabeça, viu que todos olhavam fixamente para um ponto atrás dele. Sentiu-se a primeira bolacha do pacote. Observando todo o lugar, percebeu que os capangas de Fionna também estavam caídos e apresentavam crescentes manchas de sangue. Estavam mortos. Procurou Lyla e sentiu um imenso alívio quando a viu, aparentemente bem. A loira também olhava para algo atrás dele. Confuso, tentou se virar, mas o corpo inerte de Fionna o impedia. Assustou-se. Foi quando ouviu Sneer falar incrédulo:

-Meyer... vo... você matou eles?

-Mas que clichê! - queixou-se o garoto – eu salvo a noite e sou julgado como um assassino! -

Foi o necessário para que as coisas clareassem na cabeça de Johnny. Deduziu que não estava morto, Meyer devia ter salvado todos eles. As palavras seguintes vieram confirmar sua teoria:

-Mas...mas como? - a voz de Linda era incrédula. - Como você tinha uma arma? Como acertou os três tão rápido?

-Vovó sempre diz que devo estar protegido e eu sempre fui muito bom em Counter Strike, nunca usei bot sabe? - seu tom de voz era orgulhoso – então acho que eu sabia o que fazer. Uma vez...- mas Johnny já não prestava mais atenção nele.

Agora que tudo tinha se esclarecido, tinha cansado de ser ignorado. Falando por Lyla também, exclamou:

-Ei! Ainda estamos aqui! Se pudessem nos soltar, gostaria de dar a alguém o que ele merece!

Todos pararam de olhar estupefatos para Meyer que ainda se gabava de seus feitos nerds. Sneer foi revistar os cadáveres, Linda foi desamarrar a irmã, mas não antes sem pisar com força no nariz quebrado de Johnny fazendo o garoto gemer. Sofia veio em seu socorro:

-Você está bem? - indagou a irmã.

-As coisas não saíram como o planejado, mas isso ainda parece com um final feliz. Que bom que ninguém se machucou. Obrigado.

Quando a corda que prendia seus pés foi desamarrada, ele caminhou até Meyer, que após perceber que ninguém mais se importava com o que ele falava, finalmente se calara:

-Sempre soube- começou, percebendo que as pupilas do garoto a sua frente se contraíram de medo - que você tinha potencial.- Meyer relaxou.

Johnny deu um apertado abraço em seu salvador e em seguida tascou-lhe um sonoro beijo nas bochechas rosadas, fato que deixou-o extremamente tenso. Depois disso, foi até as gêmeas que estavam abraçadas:

-Acho que devo desculpas às duas – começou em voz baixa.

Linda se virou para ele e encarou-o por um momento. Em seguida desferiu um tapa em seu rosto:

-Aqui estão suas desculpas – advertiu a ruiva que depois saiu na direção de Sofia.

Johnny tornou a levantar seus olhos para encarar Lyla, mas o que recebeu foi pior que raiva. No fundo era apenas dó, a mesma dó que ela dedicaria a um cachorrinho de rua. Sem dizer nenhuma palavra, a loira foi juntar-se à irmã, Sneer, Sofia e Meyer que tomavam o rumo do prédio principal.



Música: Hit The Ground - Zebrahead