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80 - Lyla e Johnny
domingo, 17 de janeiro de 2010


-Café da manhã- anunciou uma voz conhecida.

Lyla abriu os olhos e viu um sorridente e incrívelmente limpo Johnny carregando cuidadosamente uma bandeija recheada de pães, bolachas, frutas, sucos e leite.

A luz da enfermaria brilhava nas paredes branquíssimas.

Os últimos cincio dias haviam começado assim: toda manhã o garoto ia a enfermaria e a mimava da algum modo:

-Não vou aguentar comer tudo sozinha – queixou-se a loira em seu irrestível charme.

-E quem disse que você vai comer tudo sozinha?

Lyla sorriu. Estava feliz. Quase havia morrido, mas estava feliz. Talvez algumas coisas ruins tenham que acontecer para que outras boas venham em sequencia; para quebrar a monotonidade de uma vida perfeita, da felicidade plena. Como alguém pode sorrir se nunca teve por que chorar? O bom depende do ruim e a felicidade da tristeza. Lyla havia acabado de descobrir isso.

Lembrou-se do sonho estranho que tivera enquanto ainda estava desacordada. Automaticamente sua mão tocou o pescoço. Sorriu. Apanhou uma maçã enquanto Johnny acendia um baseado:

-Pra abrir o apetite – explicou-se – Tenho boas e más notícias – anunciou num tom neutro – qual quer primeiro?

De repente a loira ficou séria. Não sabia o que se passava depois daquela porta. Sneer, Sofia, Charlie, todos eles vinham visitá-la sem, no entanto, falar algo de útil. Não diziam onde estava Linda.

-A boa – decidiu-se esperançosa.

-Quando acabar seu café-da-manhã você pode sair.

-Obrigado senhor doutor , já me sinto melhor mesmo.

Os dois riram.

Ela tentou se alegrar, porém estava preocupada demais com o que viria a seguir. Percebendo isso Johnny relatou:

-Cinco pessoas morreram, todos homens, foram dormir num dia e não acordaram no outro.

A tragédia fez Lyla engasgar. Sua pele tornou-se doentemente amarela. Onde estaria sua irmã? Estaria bem? Não se conteve e uma gota de orvalho escorreu da mais verde árvore em luto. Olhando pela janela pode ver que diferentemente do azul dos outros dias, o céu hoje era cinza e frio.

Por mais que as palavras insistissem em não sair, Johnny tornou a falar:

-Linda não é vista desde o acidente na pedra. Outros sete sumiram no mesmo dia – o garoto aproximou-se da cama na qual Lyla estava deitada em choque e tocou-lhe levemente a mão. Numa voz baixa que fez os pelos da nuca da loira se arrepiarem concluiu:

-Essa brincadeira ta ficando perigosa demais. É hora de ir pra casa.

Os olhos azuis dele e os verde dela se cruzaram. Sabiam que lá encontrariam tudo o que precisavam para seguir em frente. A boca carnuda de Lyla se moveu:

-Você tem um plano?

-Eu não sei por que vocês ainda me perguntam isso – e deu o baseado para Lyla dar a última tragada.


Música: Yellow - Coldplay




79 - Linda
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010


Quando Linda chegou aos campos de morango a música cessou dramáticamente. Salvo o pai, a família tomate rolava animadamente na relva devassa. Contudo eles pareciam ser os únicos a se divertir por lá. Os convidados restantes , dentre os quais uma banana, estavam sentados num canto debaixo de uma tenda imoprovisada, quietos e apáticos. Não eram mais de dez.
Um grande desanimo tomou conta da ruiva, a música voltou entretanto não passava de um pagode vomitante que vinha destruir os miolos de todos ali. O céu escurecia numa rapidez colossal e a atmosfera ia se adensando, tornando-se pegajosa e pesada.:
-Que merda é essa? - Linda se dirigiu à Banana.
-Não sei, mas ninguém sai vivo daqui – lamuriou-se.
-Como você sabe, você é só uma banana! Nem vermelha é! - vermelha aliás era a palavra certa para definir Linda.
-Nós bananas não temos caroço amiga – e deu uma piscadela- agora que você é uma de nós não seria inteligente brigarmos. - A banana colocou um óculos fundo de garrafa.
-Bananas me falando de inteligencia! Onde fui parar? - e a ruiva saiu irritada em direção a um morango que jogava sudoku no celular:
-9 aqui – e apontou para uma casa em branco.
O morango seguiu obedientemente a instrução e o celular gritou mortalmente:
-EU VOU EXPLODIR SEU IDIOTA!
-Burra – chingou o morango.
Linda olhou mais atentamente o jogo. Eram apenas 20 casas, 7 delas preenchidas com o número 3.
-Faltam 13- concluiu a ruiva.
-Você é a oitava – concordou o morango.
-Desde quando vocês estão aqui?
-Chegamos ontem – o morango estava concentrado no jogo e nem levantava a cabeça para falar.
-E por que vieram? -ela não sabia quando fora ontem, só queria parecer simpática.
-Pelo mesmo motivo que você.
-Festa?
-É, pode ser – simpatia não era o forte dele, mas Linda não iria desistir.
-E quando vão embora?
-Quando morrermos.
-Vocês não querem ir embora? - ela estava confusa com todo aquele desanimo.
-Eles fazem isso conosco. Não fazemos o que queremos, fazemos o que eles querem. Sentamos e assistmos nossos destinos frustrados desfilarem medíocremente até se esvaírem na linha de chegada. Não pensamos, não discutimos. Concordamos calados com as palavras não ditas, com as imposições infundadas. Nossa sorte é que acreditamos em algo bom e justo que ocorrerá depois daqui. Isso serva de suporte para nossa burrice, isso sustenta nossa apatia. E daí se restringe nossa felicidade? Nunca iremos querer o que não sabemos que existe.
Antes que pudesse deixar de lado toda aquela bobagem o estrondo de um raio correu diretamente para os ouvidos da ruiva, que agachou-se agonizando próxima a uma parede singular. No mesmo insante a parede desabou em cima dela, porém nada aconteceu.
Sofria por isso. Já não estava mais fantasiando, mas a realidade ainda era distante. Presa no meio de suas próprias escolhas. Os sentimentos iam e vinham, sem nenhum permanecer, não conseguia sentir dor, nem raiva, não sentia afeto e muito menos felicidade. Seria a morte pior que isso?

Música: For No One - The Beatles